Vendendo Sacolé no Carnaval e os 4P's de Marketing
A aula definitiva sobre o tema, explicando da forma mais lúdica possível.
Essa é uma das minhas histórias de Carnaval que eu tenho.
Começa comigo em casa, no sofá. Era fim de janeiro, para fevereiro.
Trabalhava normal mas me sentia inquieto. Aquele desejo de fazer besteira para movimentar as nossas vidas.
Pareceu uma boa ideia fazer algo diferente no carnaval.
A lista foi sendo feita. Um dos itens era platinar meu cabelo (que foi feito), mas todas as ideias eram chatas, queria um outro desafio fora mudanças estéticas ou fantasias. Como eu tinha alguns boletos para pagar, me pareceu justo querer tirar um dinheiro a mais, uma rendinha extra e daí surgiu a ideia de vender sacolé no Carnaval. Falei com meu irmão, que dividia o apê comigo, e ele topou.
Essa é minha história completa vendendo sacolé no carnaval, todos os erros e acertos e tudo que aprendi sobre os 4P’s de Marketing sanando esse meu espírito empreendedor.
A visão
A lógica era simples: vender um produto barato, ter uma boa margem e ganhar algum dinheiro investindo algo entre R$300 e R$400.
Se as coisas começassem a andar bem, investiríamos mais, mas sem pressão. Era para pagar o investimento, botar mais um dinheiro no bolso e pronto.
A primeira etapa foi tentar entender qual seria o produto que iríamos vender. Fizemos um brainstorming até chegarmos no sacolé e na água. Sacolé era um produto barato, de produção rápida e com uma boa margem.
Como possivelmente ia sobrar espaço nos isopores, também venderíamos água já que, no carnaval as pessoas sentem uma sede (in)explicável.
Uma breve introdução dos 4P’s
Os 4 P's de Marketing (ou Marketing Mix) foram criados nos anos 60 e popularizados pelo Kotler (o papa do marketing).
É uma forma de organizar a estratégia de mercado de um produto/serviço.
E aí, cada P significa uma característica que deve ser estruturada, planejada e pensada.
Produto: É o que você oferece ao cliente. Pode ser algo físico, um serviço ou até mesmo uma ideia. A chave aqui é garantir que o seu produto resolva uma necessidade ou desejo do seu público. No nosso caso, era o sacolé e a água.
Preço: O valor que você cobra pelo produto. Isso envolve mais do que apenas calcular os custos — inclui também entender quanto o seu público está disposto a pagar e qual a percepção de valor que ele tem sobre o que você oferece.
Praça: Onde e como o seu produto será disponibilizado para o cliente. Pode ser uma loja física, online ou até mesmo um mix dos dois. O objetivo é definir onde o produto será vendido ao cliente.
Promoção: As ações que você faz para divulgar o seu produto. Isso pode incluir campanhas publicitárias, promoções, redes sociais e mais. É tudo que ajuda a aumentar a visibilidade e a atrair mais clientes.
Esses 4 P's trabalham juntos para garantir que você esteja oferecendo o produto certo, no lugar certo, pelo preço certo e promovendo da maneira correta.
Depois da pitadinha de teoria, vamos ver na prática como tudo funcionou.
Produto
Não decida as ideias de um negócio ou projeto dessa maneira cagada que fizemos. Basicamente tudo foi decidido em poucos minutos de conversas. Não projetamos nada, não pensamos em nada e a maioria das decisões tomadas na necessidade do momento.
O que importava para a gente era botar o bloco na rua, então focamos em fazer isso.
Para o sacolé, fizemos vários testes bem simples, onde basicamente diluíamos o suco em um pouco de água e vodka, algo bem próximo do que faríamos na receita normal, e bebíamos para ver se o gosto estava ok.
Provamos vários sabores e assim que acabamos tudo e decidimos as matérias primas e os sabores finais (morango, limão e abacaxi - todos de fruta de verdade) já estávamos bêbados para valer (foi teste pra caceta que fizemos).
Um erro que cometemos foi não anotar as receitas. Era tudo no olho e no teste, inclusive quando foi feita a produção pra valer, uma estupidez.
Peguei o balde e comecei a misturar tudo para a receita do sabor morango, enquanto eu tomava uns goles de vinho que abri para ajudar na produção.
Em 10 minutos tava tudo pronto. Peguei então um dos saquinhos, o funil, e enchi. Finalmente o primeiro sacolé estava pronto.
E aí foram mais 15 minutos para tentar dar o nó, desistir e começar a procurar soluções para isso.
Sim, isso mesmo: não sabíamos dar o nó para fechar o saquinho do sacolé. Na sexta de carnaval, lá fui eu sair na rua pra tentar comprar lacres (graças a deus tinha uma Kalunga aberta e deu para comprar).
Aprendizado: Muitas vezes os problemas surgem em pequenas coisas que nem sabemos que poderiam ser um gargalo imenso. No nosso caso, por não termos feito nem um protótipo do produto final, tivemos problema com a embalagem. Buscar soluções rápidas para apagar o incêndio não é legal porque geralmente você acaba dependendo de outras variáveis fora do seu controle. Tente sempre ter o máximo de variáveis sob seu controle.
Um outro fun-fact: a primeira receita, essa do morango, decantou. A partir daí iteramos na receita e tudo passou a levar leite condensado (pra não decantar). Na ida ao mercado, pra comprar o leite condensado, uma moça falou de Liga Neutra, compramos e, na loja, também tinha glitter comestível.
Fizemos quase 200 sacolés de morango e resolvemos fazer os de limão.
Nisso, eu cometi um erro idiota de misturar o vinho que tava tomando no balde do limão (uma garrafa do lado da outra).
Tínhamos agora um sacolé de limão rosa, com glitter.
Aprendizado: Uma vez me contaram que o Moscow Mule foi feito sem querer, misturando tudo que tinha no estoque, matéria prima que não seria vendida, e assim veio o sucesso. Quando algo der errado mas ainda assim for utilizável, tente transformar limão em limonada. Nosso sacolé de limão ficou rosa e virou Pink Lemonade. Foi um dos que mais vendemos no carnaval inteiro.
Seguimos na produção e, no fim do dia, tínhamos 1.000 sacolés embalados (com lacre) dos mais variados sabores, com glitter e não decantados na geladeira.
Algo que a gente achou que seria rápido, tomou o dia inteiro. Mas foi irado, depois dos erros corrigidos.
Preço
Quando decidimos vender os sacolés, pra empolgar, a gente queria era projetar a receita.
Fomos no mercado, um atacarejo perto de casa, e compramos os materiais para testar alguns sabores.
Peguei então a Nota Fiscal, joguei o valor das matérias primas numa planilha de Excel e projetei como seria a produção de cada lote.
Para isso, considerei o seguinte cálculo: conseguiríamos fazer 4 litros com os sucos e adicionando mais 1 litro de vodka, projetei que 5 litros poderiam virar X saquinhos de tantos ml.
É isso, esse foi meu PCP, uma regra de três simples. Com isso, projetei uma venda de 1000 sacolés e tava feito!
Por que 1000 sacolés? É o que pareceu o melhor a se fazer, número redondo e fechadinho.
Achei até que era pouco mas, trocando ideia com outros vendedores de sacolé que conheci no carnaval, tivemos a meta mais ousada. Tinha “concorrente” que fez apenas 100!
O pricing foi feito com base nessa projeção de 1000 sacolés.
Fiz uma tabela que era basicamente: se cobrássemos X, ganharíamos 1000x, se cobrássemos Y, ganharíamos 1000y.
Das coisas que fizemos, o pricing foi o que menos me incomodou porque não tínhamos muito espaço para pesquisar mercado e botei um preço bem tranquilo pois um dos nossos objetivos, apesar de ser lucrar algo no fim, era também se divertir nos blocos e no carnaval. Achei, inclusive, que estávamos cobrando até demais e teríamos que baixar os preços durante as vendas.
Óbvio que esse cálculo não foi refeito, no fim das contas. Tivemos novos custos (os lacres, o leite condensado, a liga neutra) e custos que eu não tinha ideia (gelo, transporte e um carrinho pra levar os isopores).
No fim das contas, o budget entre R$300 e R$400 ficou levemente acima (ficamos em R$1.257 e alguns centavos). Mas tivemos um certo lucro, cada sacolé saia por R$5 (de vez em quando fazíamos 3 por R$10).
Além dos 1.000 sacolés, também vendemos água.
A água foi um fenômeno porque pagamos R$0,69 por unidade e conseguíamos vender 3 por R$10, ~R$8 de margem! Só que nós compramos poucas unidades, era mais pra conseguir ajeitar os sacolés nos isopores.
Essas decisões de preço foram muito influenciadas porque, na época, a galera não usava tanto cartão e sim dinheiro. Carnaval era sinônimo de nota, então facilitar o troco era o melhor, por isso esses preços mais redondos.
Com as maquininhas hoje em dia, talvez seja até mais fácil brincar com esse pricing.
Praça
É importante destacar o perrengue logístico que é carregar três isopores cheios de gelo e sacolés pela cidade do Rio de Janeiro.
Primeiro que o metrô do Rio, em tese, não te ajuda em nada a entrar com tudo isso. Se passar por baixo da catraca, muito que ótimo, se não, você que se vire para passar ali. Os seguranças, no entanto, cagaram pra essa ordem e sempre nos deram uma mão abrindo as passagens por fora da catraca.
Segundo que tem estações, como a do Flamengo pra citar um exemplo, que não tem elevador, só escada.
Sobre vender em blocos: é uma das melhores experiências da vida. Trocar ideia com a galera, a adrenalina da venda, todo mundo perguntando, te cercando, é algo incrível.
No Rio de Janeiro tem dois tipos de blocos, os fixos e os móveis. Para cada um, tem uma estratégia diferente de se posicionar para conseguir vender.
Se o bloco é parado, a sorte é você chegar cedo, se posicionar bem e ficar bem no meio de onde vai ficar a muvuca.
As pessoas costumam respeitar o espaço de quem tá vendendo e se você posicionar bem sua placa e seu isopor, geral vai comprar com você, pelo menos quem parar do seu lado (o que é muita gente no carnaval).
O problema é quando você tem que se mexer. Num bloco fixo e lotado é complicado, mas possível (vimos ambulantes com carrinhos daqueles de mercado, que saiam atropelando mesmo).
Pra gente, o melhor, foi ficar nas margens, ou seja, nas entradas que as pessoas usam para chegar nesses blocos. Nessas margens a venda é questão de preço e posicionamento mesmo, ou seja, o cliente precisa passar, olhar para sua placa e comprar contigo. Aí entra uma das estratégias de promoção mais clássicas, que vou explicar no próximo tópico.
Se o bloco é móvel, as coisas mudam um pouco, principalmente nessa lógica da margem.
O ideal nesse tipo de bloco é você acompanhá-lo, mas sempre estando à frente dele.
E sim, é uma loucura, e sim as pessoas vão ficar putas e te xingar quando você tiver andando e do nada parar, e sim você vai fazer muitas vendas nesse processo.
É bem intenso, mas dá certo no final. Uma coisa importante também é que muitos desses blocos costumam terminar numa rua perto ou no mesmo lugar que começaram e sempre vale a pena ir para o local do fim do bloco para tentar pegar a galera cansada e necessitada de uma bebida.
No geral, blocos móveis são melhores de vender, você vende mais rápido e consegue ainda curtir o bloco. Mas os fixos são mais tranquilos.
Promoção
Fizemos tudo o que estava na cartilha. Eu trabalho com isso, então segui o planejamento certinho.
Falando um pouco das coisas mais sofisticadas:
Tínhamos um instagram e postávamos os blocos que estaríamos todo dia. É que tivemos essa ideia e criamos o perfil em cima da hora. Se estivéssemos populando isso desde o começo do ano, fazendo pequenas vendas no pré-carnaval, teríamos tido um puta sucesso, tenho certeza.
Tínhamos plaquinha, nossos isopores tinham nossa logo e tudo revolvia em torno da marca e do branding - Sacolé da Maldade. De longe as pessoas viram que era um produto diferente dos tradicionais e, na pior das hipóteses, encostavam para saber mais da gente. Alguns gringos preferiam encostar na gente (presumindo que sabíamos falar inglês), porque tínhamos uma marca o que nos diferenciava dos outros vendedores.
Dito isso, vamos falar do que funcionou de fato?
Gritar e falar alto, fazendo piada, funciona. Gritar o preço também, independente de estarem olhando para você ou não. Perdi a voz no último dia, mas era essencial gritar e chamar atenção.
Forçar o bundle. Se uma água era R$5 e três eram R$10, tentávamos forçar o maior ticket. É mais fácil para o troco, pra nossa contabilidade e dentro da nossa margem. Valia tudo para forçar o bundle, inclusive forçar a pessoa a tomar o sacolé na nossa frente, ver que era bom e decidir levar outro.
Nosso portfólio era pequeno e arrumamos os isopores de forma a achar bem fácil os sabores. Se fosse muito produto, ia dar merda. Velocidade era tudo e só vale o bate papo se a pessoa fica pra bater papo, mas 80% das interações é trocar produto por dinheiro e pronto. Sempre tive a teoria na minha cabeça que, em vendas complexas, vale a pena você ter um produto ou serviço maior, que você pode esmiuçar detalhe a detalhe e vender partes ou ele todo, mas ali no varejo principalmente ambulante e no carnaval, menos é mais, com certeza.
Só faltou uma caixinha de som, que esquecemos, mas se tivéssemos música, teríamos vendido mais nos fins de blocos. Música, no carnaval, atrai muita gente. Então tentamos sempre encostar do lado da galera que tinha música - no caso, outros ambulantes com mais experiência.
Não é a toa que muita gente ainda dá panfleto na rua.
Tem muitas práticas que ainda funcionam. Concordo que temos que evoluí-las, mas negar a eficácia delas é absurdo.
Muita gente não entende isso e quer por que quer que a empresa tenha um Instagram, mas será que funciona? Se nosso Instagram funcionasse teríamos um público cativo, talvez até, mas perderíamos muitas vendas de oportunidade, por estarmos no local certo.
E isso é o que mais funciona no Carnaval. Essa foi uma das maiores lições: contextos diferentes exigem estratégias diferentes.
Além dos 4P’s
Para fechar, com alguns pensamentos aleatórios sobre a experiência em si:
Quem vende na rua entende muito de gente. Essas pessoas conseguem ler o movimento das pessoas e sabem se vai dar certo ou não. Eles farejam sucesso.
No começo, ainda com vergonha, nós sentimos que estávamos canibalizando o mercado, muito ambulante para pouca gente, mas isso é besteira. Todo mundo vai vender bem e mesmo que você venda a água mais barato, o vendedor do seu lado vai vender água também, pelo preço dele e tudo vai dar certo.
Trocamos ideias com muitas pessoas, inclusive outros vendedores. Não rolou clima hostil nem nada, todo mundo se ajudava na medida do possível, alguns simplesmente respeitando teu espaço se você respeitasse os deles, outros mais falantes. Ninguém é burro e todo mundo sabia que, se todo mundo se apoiasse, daria certo.
Esses ambulantes e vendedores de rua são heróis. Trocamos ideia com algumas dessas pessoas e todas elas eram heroínas. Entendo meus privilégios, seria burrice negar isso e foi bem bacana trocar e aprender com essa galera, coisa que nunca faria se simplesmente aceitasse o que aprendi na faculdade, por exemplo.
Existe muita verdade e conhecimento com quem faz acontecer de verdade.
Se eu faria de novo?
Talvez, mas:
Com uma produção mais bem pensada.
Trabalharia melhor o marketing pré-evento. Garantir uma base cativa poderia ajudar no fim do dia e poderia permitir que eu não me metesse na muvuca.
Não iria em blocos cheios, mas em blocos menores.
Iria para bairros que não fui (tipo Santa Teresa).
Intercalaria dias indo para me divertir e dias para vender.
Levaria uma caixinha de som e tocaria os hits do Carnaval, pra ajudar a atrair as pessoas.
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Com carinho,
Diogo B. R. da Silva